Estou sentada, numa esplanada, a saborear o bom e velho galão. Sinto o pulsar da cidade. Ainda é de manhã. Respiro profundamente, absorta em pensamentos, como quase sempre. Hoje, há um em particular que me assalta: porque não conseguimos ser nós próprios em todas as circunstâncias da vida? Porque temos de nos conter aqui e rir acolá, se o que faz sentido para nós é, exatamente, o oposto! Há grilhões invisíveis e eu tenho tantos. Isto faz - me doer. Quero resgatar totalmente a minha essência e pô-la ao meu serviço, sempre. Quero muito ser sempre eu e não só às vezes, percebendo que não temos que agradar a todos, nem todos nos agradarem a nós e viver bem com isso. Quero viver o meu dia, deitar a cabeça na almofada, fazer rewind ao que passou, o bom e o que podia ser melhor. E num sono descansado, expandir a minha alma.
Ainda ontem estava a pedir à Primavera um pouco mais de sol e tu já entraste sem pedir licença! É certo que trazes contigo cores lindas, que me fazem voar pela nostalgia de outros tempos. O friozinho a apontar, o cheiro da terra batida pelas primeiras chuvas, uma folha atrás do vento. A primeira página de um caderno em branco, livros novos, aquela " vendedeira das quatro estações", a beleza de ser criança. Depois as uvas e as castanhas. Depois a saudade. Saudade de um tempo que agora reconheço tanto. De simplicidade. De sentimento. E quantos Outonos já se passaram? Olha, se trouxeres um pouco de esperança, junto ao laranja do teu horizonte, podes ficar o tempo que quiseres.
Será que existem vidas perfeitas? Felicidade sempre em ON? Corações sempre tranquilos? Será que existem certezas? Sempre entusiasmo? Sempre o amanhã? Sempre sol? Talvez sim. Mas talvez num segredo bem guardado. Talvez ao alcance de tão poucos! Quem sabe o pé ante pé, como se entra no mar, como analogia para "um dia de cada vez", como se entra na vida, seja a resposta. Talvez o instante vivido, livre de sombras do passado e das angústias do futuro seja o caminho! E talvez esse caminho seja mesmo de perguntas sem resposta. Do que precisamos e não do que queremos. Talvez sim.
Há momentos em que o tempo parece parar. Momentos mágicos! Um fim de tarde, com sol a pôr-se, um travo a hortelã, um reggae de fundo e pessoas nossas. A chamada boa "vibe". E seria fantástico se o tempo realmente parasse ali e ali ficasse por mais de uns instantes. Vou guardar na minha caixinha das coisas maravilhosas, este momento Maktub, (este lugar existe mesmo), para ir buscar sempre que estiver triste. Fica a ecoar também uma frase de uma voz linda, profunda, única: "uma boa vida neste tempo e um bom tempo nesta vida". Estava escrito.
